A penúria orçamentária das agências reguladoras se agravou nos últimos anos, deixando atividades de fiscalização de serviços públicos à beira do colapso em áreas que envolvem contratos bilionários com o setor privado e afetam milhões de consumidores, como energia elétrica e planos de saúde.
Nada indica uma mudança de cenário. Levantamento feito aponta que o orçamento das agências para 2025 é significativamente inferior ao pedido feito pelos próprios órgãos reguladores para reverter suas perdas recentes.
“Estão faltando recursos essenciais”, define o presidente da Associação Brasileira das Agências Reguladoras (Abar), Vinícius Benevides.
Entre 2020 e 2024, o orçamento disponível despencou. Em valores atualizados pela inflação, a queda foi de:
A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que sofreu um corte próximo de 40% nos últimos cinco anos, alerta sobre os riscos de manter a rede de monitoramento hidrológico existente hoje no país.
“Temos cada vez mais dificuldade para continuar com esses 23 mil pontos ativos”, disse a presidente da agência, Verônica Sanchez, lembrando que a rede engloba um monitoramento da região da Cabeça do Cachorro (no norte do Amazonas) até o extremo sul gaúcho.
“Quando perdemos a capacidade de manter esses equipamentos, passamos a ter menos dados para tomar decisões qualificadas e projetar fenômenos como as cheias no Rio Grande do Sul ou as secas amazônicas”, acrescenta Verônica.
Um estudo divulgado recentemente pela ANA aponta que o emprego de dados na configuração e implementação de sistemas de alerta para eventos climáticos extremos pode evitar perdas de até R$ 661 para cada R$ 1 investido.
Para 2025, a ANA pediu ao governo um orçamento de R$ 257 milhões. A proposta enviada pelo Ministério do Planejamento e Orçamento ao Congresso Nacional previa bem menos: R$ 207 milhões.
Um dos casos mais dramáticos é o da Aneel, que hoje tem apenas 47 fiscais para monitorar 103 distribuidoras de energia, 171 mil quilômetros de linhas de transmissão e 30 mil unidades geradoras. Viagens para inspeções locais estão sendo restringidas.
Para efeito de comparação: a Arsesp, agência reguladora de São Paulo, conta com 25 profissionais voltados para as atividades de fiscalização apenas no estado.
Além da escassez de pessoal, a agência tomou medidas para reduzir custos que já impactam os serviços prestados.
O horário de atendimento da ouvidoria, que antes funcionava 24 horas por dia, foi reduzido para o período das 8h às 20h.
O principal contrato de tecnologia da informação que atende à Aneel foi cortado em 25%. E reformas estruturais no edifício-sede tiveram que ser suspensas.
A ironia, no caso da Aneel, é que ela tem fonte própria de financiamento. A Taxa de Fiscalização do Serviço de Energia Elétrica (TFSEE), cobrada das concessionárias do setor, arrecadou mais de R$ 1,2 bilhão em 2024 — menos de um terço foi efetivamente repassado à agência.
O senador Laércio Oliveira (PP-SE) apresentou, na semana passada, dois projetos de lei que buscam preservar o caixa das agências reguladoras e afastar o risco de sucateamento diante da contenção financeira.
O projeto de lei 1374/25 e o projeto de lei complementar 73/25 impedem, por exemplo, cortes orçamentários relacionados à atividade-fim das agências nos casos em que ela é custeada por receitas próprias — como a taxa de fiscalização da Aneel, a cobrança de multas da ANTT sobre concessionárias de rodovias e ferrovias, uma parcela dos royalties da mineração para a ANM.
A ANS, responsável pela regulação e fiscalização dos planos de saúde, informou ter negociado cortes no ano passado com fornecedores de produtos e serviços que representam mais de 50% de seus custos mensais.
Mesmo assim, segundo a agência, há impactos em evoluções tecnológicas dos sistemas internos; cobranças de ressarcimento do Sistema Único de Saúde (SUS); ações de fiscalização; monitoramento econômico do mercado.